como se a resposta fosse parte de uma linha contínua de conversa. Ou melhor, como se respondesse a uma pergunta feita anteriormente. Não era.
Era quarta-feira, chovia, e Raul saia do trabalho para o almoço como fazia todos os dias. Nunca havia visto aquela mulher, encharcada, segurando um guarda-chuvas fechado enquanto as gotas de chuva caiam no topo de sua nuca, percorriam cada cacho do seu longo cabelo preto, escorriam por todo seu longo vestido preto decotado, que terminava logo acima dos joelhos, até alcançarem enfim um salto alto preto, o qual Raul intuía que era o que lhe dava coragem para ir em qualquer lugar, dizer qualquer coisa a quem quer que fosse.
Ele olhou para os lados, certificando-se que não havia mais ninguém ao lado ou atrás dele. Não havia, a moça estava falando com ele mesmo. Ela estava muito bem vestida, o que era a única coisa que o impedia de concluir que tratava-se de uma louca desvairada e seguir seu caminho.
-- Você está falando comigo? -- Perguntou Raul, ainda incrédulo.
-- Sim, com você mesmo, a quem mais eu faria uma pergunta dessas? -- Respondeu a moça, com uma voz rasgada como a de uma atriz de um filme Noir dos anos 50.
-- A qualquer sujeito indo almoçar, aparentemente.
-- Essa é a resposta para a pergunta que você me fez há 19 anos. Eramos adolescentes, estávamos em uma viagem do colégio e você me fez uma pergunta. Você tem que se lembrar.
Não lembrava. Tinha certeza de nunca tê-la visto nos seus 36 anos de existência no planeta Terra. Ainda assim, ela era linda, louca e misteriosa e ele havia subitamente notado que havia uma incomensurável necessidade de coisas lindas, loucas e misteriosas em sua vida.
-- Porque você não abre o guarda-chuva? Está toda encharcada. -- Disse ele, resolvido a envolver-se naquela loucura por, pelo menos, os 45 minutos restantes que lhe restavam para o almoço.
-- Eu gosto de tomar chuva. Só trago esse guarda-chuva comigo porque sempre surge alguém para me oferecer um, achando que eu esqueci ou algo assim.
-- Bom, almoce comigo e eu tentarei lembrar da sua pergunta, certo? Se quiser pode vir comigo debaixo do meu guarda-chuvas.
-- O outro motivo para eu andar com um é para evitar os engraçadinhos com guarda-chuvas que tentam me abraçar na chuva a pretexto de me proteger, mas vou aceitar o seu. -- Disse ela, sorrindo, e o abraçou.
-- O número 42 significa algo para você? -- Disse Raul, já entretido com a luz daquela loucura, enquanto eles andavam para um restaurante e ele elaborava alguma desculpa para seu chefe por não voltar do almoço.
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