quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Sim, disse ela,

como se a resposta fosse parte de uma linha contínua de conversa. Ou melhor, como se respondesse a uma pergunta feita anteriormente. Não era.

Era quarta-feira, chovia, e Raul saia do trabalho para o almoço como fazia todos os dias. Nunca havia visto aquela mulher, encharcada, segurando um guarda-chuvas fechado enquanto as gotas de chuva caiam no topo de sua nuca, percorriam cada cacho do seu longo cabelo preto, escorriam por todo seu longo vestido preto decotado, que terminava logo acima dos joelhos, até alcançarem enfim um salto alto preto, o qual Raul intuía que era o que lhe dava coragem para ir em qualquer lugar, dizer qualquer coisa a quem quer que fosse.

Ele olhou para os lados, certificando-se que não havia mais ninguém ao lado ou atrás dele. Não havia, a moça estava falando com ele mesmo. Ela estava muito bem vestida, o que era a única coisa que o impedia de concluir que tratava-se de uma louca desvairada e seguir seu caminho.

-- Você está falando comigo? -- Perguntou Raul, ainda incrédulo.
-- Sim, com você mesmo, a quem mais eu faria uma pergunta dessas? -- Respondeu a moça, com uma voz rasgada como a de uma atriz de um filme Noir dos anos 50.
-- A qualquer sujeito indo almoçar, aparentemente.
-- Essa é a resposta para a pergunta que você me fez há 19 anos. Eramos adolescentes, estávamos em uma viagem do colégio e você me fez uma pergunta. Você tem que se lembrar.

Não lembrava. Tinha certeza de nunca tê-la visto nos seus 36 anos de existência no planeta Terra. Ainda assim, ela era linda, louca e misteriosa e ele havia subitamente notado que havia uma incomensurável necessidade de coisas lindas, loucas e misteriosas em sua vida.

-- Porque você não abre o guarda-chuva? Está toda encharcada. -- Disse ele, resolvido a envolver-se naquela loucura por, pelo menos, os 45 minutos restantes que lhe restavam para o almoço.
-- Eu gosto de tomar chuva. Só trago esse guarda-chuva comigo porque sempre surge alguém para me oferecer um, achando que eu esqueci ou algo assim.
-- Bom, almoce comigo e eu tentarei lembrar da sua pergunta, certo? Se quiser pode vir comigo debaixo do meu guarda-chuvas.
-- O outro motivo para eu andar com um é para evitar os engraçadinhos com guarda-chuvas que tentam me abraçar na chuva a pretexto de me proteger, mas vou aceitar o seu. -- Disse ela, sorrindo, e o abraçou.
-- O número 42 significa algo para você? -- Disse Raul, já entretido com a luz daquela loucura, enquanto eles andavam para um restaurante e ele elaborava alguma desculpa para seu chefe por não voltar do almoço.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Chuva de ar-condicionado,

mais vagas, menos árvores.
O que era pra ontem vai ficando pra amanhã.
A vida passa,
Não em acontecimentos,
Mas em minutos.
Se, em algum momento,
A arte imitou a vida,
Encontrem essa arte,
Precisamos imitá-la.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Respirar mata

A cada boa tragada de ar que perpassa e preenche o vazio do seu corpo, você está a um passo mais longe da imortalidade. O ar é a nossa droga fundamental. Respirar é o vício fundamental. A morte é fundamental.
Respire, não prolongue sua vida. Melhor, respire e prolongue sua vida.
Não se vive o tempo, se vive a vida. A vida não é o tempo que se vive, a vida é o que se vive. Então, porque se importar com o tempo?



Vladimir abriu os olhos esperando que aquele fosse o último dia de sua vida, mas não se apressou por isso. Porque viver com pressa? Porque morrer com pressa? Sentou em sua velha cadeira e escreveu algumas ideias, que couberam em poucas páginas, de sua obra em progresso. Pensava em Vanessa, em como começaram e em como terminaram. Vanessa era um magnífico girassol e ele um beija-flor à procura do néctar perfeito, assim os via. Mas ela era atordoada por um zangão que por ela era apaixonado, Tadeu. Ele era uma sombra sempre presente, circundando-a, impedindo que qualquer um chegasse perto do Girassol. O Girassol acreditava amar, acreditava saber o que era o amor e acreditava o ter pelo zangão. Mas como saber se ama alguém se há milhares de pessoas no mundo que se poderia conhecer e amar milhões de vezes mais? Vlad era um beija-flor especial como outro qualquer, nascera com a certeza de que havia a flor perfeita para você. Esperaria pelo néctar daquele Girassol por toda sua vida, mas todo o tempo de sua vida poderia não ser o suficiente. Ficaria a sua espera para sempre, mas de que adiantaria ser para sempre se jamais pudesse ser completo? Arriscou. Por um breve instante, entendeu sua razão de existir. Logo após experimentar o néctar mais precioso de sua vida, morreu, com um ferrão cravado em seu coração. Morreu Vlad, que vivera com sua flor muito, por muito pouco tempo, morreu Tadeu, que viveu sua pouca vida diluída em um tempo muito grande. E o girassol lá ficou, a espera do beija-flor que trouxe seu amor.



Morremos porque, em um dado momento, nossas células não se replicam mais. Talvez porque, nesse dado momento, nem as células vejam mais o sentido em serem iguais indefinidamente.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nossa arte

O que é inteiro
Não precisa estar junto
Para fazer parte

O todo, dividido,
Ainda é metade
E o meio, reunido,
É unidade

Se o espaço
Que nos divide
É só saudade,
A vontade de ficar junto
É a nossa arte





Acho que não combina comigo essa arte da poesia, nela é muito tênue a linha entre o gênio e o amador, o maravilhoso e o ridículo. Mas quem seria eu se desistisse por isso?