sábado, 16 de janeiro de 2010

Conte até dez e esqueça quem você é

O universo dele a fascinava. Arte, história, toda aquela vida, todo aquele conteúdo. Não era bem o conteúdo em si, mas a forma que ele tratava.

A principio ela pensava que sequer era notada, apenas ela o admirava. Em um momento qualquer, que ela não sabe ao certo, sem qualquer aviso ou acontecimento que justificasse a mudança, ele passou a dar-lhe atenção como nenhum outro havia lhe dado. Conversas audaciosas, daquelas coisas que ela tinha só pra ela e não falava com ninguém -- não porque não quisesse, mas porque ninguém conseguia tratar aquilo com tanta intimidade ou porque ninguém se demonstrasse interessado, não sabe.

De repente flores, música e todo aquele ar sedutor -- Porquê?! -- essa pergunta ela não fez, talvez porque estivesse envolvida demais, talvez não quisesse saber ou não se importasse com a resposta.

Falou dele entre suas amigas, ficavam também encantadas, teciam juntas fantasias sobre aquilo tudo que, provavelmente, deixariam muitos encabulados, mas ela não, era perfeitamente o que ela queria. E teve. Outras amigas no entanto, cogitavam que idéias não deveras puras passavam na mente dele. Fofocavam sobre coisas que ele havia feito. Decerto era inveja.

Passeios ao parque, cinema, bares. Alguns lugares ela realmente nunca havia frequentado, outros foi como se ela nunca tivesse estado lá, pois eram diferentes em sua presença. Ele fazia tudo parecer diferente. Assim a paixão veio, era tudo perfeito.

Essa foi a parte feliz da história, que passaria a ser apenas uma lembrança triste.

Naquela semana ele sumiu, nem mais ligava para dar-lhe boa noite, não a ligava. As amigas lhe diziam que esse tipo de coisa acontece em todo relacionamento, não valia a pena se preocupar. Mas ela se preocupava. Preferia não sair, já que não conseguia falar com ele, cedo ou tarde ele apareceria. Ouviu notícia de que viram ele em um bar, entre amigos e mulheres, verdadeiras mulheres, não meninas como naquele momento ela voltou a se sentir.

Tempos depois ele apareceu, pouco tempo para ele, uma eternidade para ela. Convidou-lhe para tomar sorvete, embora chovesse naquele dia, coisas estranha pro mundo, que só ele faria, ela aceitou. Ele agia como se nada tivesse acontecido como se a última semana não houvesse existido. Ela poderia esquecer e continuar o que era, mas não poderia prosseguir com a dúvida.

Ela perguntou porque ele sumira, ele eludia, não porque quisesse fugir da explicação, mas porque previa uma discussão. Ela insistiu, ele não podia mentir. Contou. Ele disse que o fato de eles estarem saindo juntos duas ou três semanas não a dava o direito de cobrar-lhe obrigações. Naquele momento ela se desfez por dentro. Quis bater nele, seria inútil. Quis dizer algo que lhe pudesse ferir profundamente, mas não tinha nada, dele só tinha boas lembranças, nem sequer uma falha. Então quis chorar e mostrar que era frágil. Resistiu. Agora não podia mais se mostrar a ele. Tentou parecer forte. Ele notou, quis dizer-lhe para não ser tão criança, era óbvio que ele tinha razão. Não disse, não seria proveitoso, nada isso lhe traria de bom. Tentou reparar, ser carinhoso, mas já havia sido demasiadamente duro, já era tarde, ou cedo demais.

Depois do episódio ele ainda a procurou duas ou três vezes, ela não deu vez à conversa. Então, ele sumiu novamente. Ela quis que ele ligasse mais uma vez, dessa vez ela aceitaria um convite qualquer. Ele não ligou.

Assim ela seguiu. Pensava nele sempre. Será que foi ela quem havia errado? Talvez fizesse diferente se pudesse voltar. Ele pensava nela vez ou outra, em raros momentos em que ele se sentia à vontade para ser ele mesmo, mas agora ele já tinha praticado demais ser outra pessoa e essa pessoa não a procuraria para se desculpar ou implorar perdão. Assim ele seguiu.
E, seguindo em caminhos diferentes, ambos convergiam em um certo ponto. Deixando de ser quem realmente eram para ser outro alguém, mais forte e notável. Alguém mais capaz de viver em um mundo tão cruel.

Nenhum comentário: