A garçonete quase sentia pena daquele de aparência tratável e roupas que possivelmente lhe custariam o salário de um mês. "Quase" porque certamente mais dura era sua própria vida, mas a pena em si vinha por seu olhar vazio, sua tristeza refletida na face, ainda que coberta por uma alegria da embriaguez. Mas ela o via como um sujeito comum, mais um jovem embriagado em uma noite normal... para ela.
Para Claus aquela noite não era mais normal do que todas suas outras noites bizarras, apesar de os eventos ocorridos e aqueles a ocorrer não fossem nada mais que corriqueiros, em sua maioria. Eventos corriqueiros só eram mais uma gota d'água no copo já, há muito, cheio, que era Claus e que transbordava. Não havia ninguém que o absorvesse, então ele mesmo se absorvia e inebriava-se no que deixava transbordar e, então, transbordava novamente.
Ele estava tropeçando -- talvez até já estivesse caído --, mas, no auge da sua embriaguez, do corpo e da alma, assim não percebia-se. Muito já havia passado desde sua queda, não saberia dizer quanto tempo dormira, mas agora acordara... embora preferisse não tê-lo feito. "Era o amor parte do plano?", a primeira pergunta que lhe surgia com a volta de sua consciência já lhe causava tormento... em algum momento, que não pôde bem dizer se no passado ou no futuro, Claus teve um plano pra sua vida, mas o momento já se havia perdido e também o havia o plano... Tudo que ele tinha nessa sua nova mente, que mais lhe parecia a realidade que a anterior, eram visões dolorosas do mundo que vivia e que entravam em choque com a visão que até a pouco ainda tinha. Agora Claus sabia que paradoxos podem coexistir. Não era ele apenas o que era, era o que era e tudo que poderia ser. Se era ele tudo o que poderia ser, era tudo o que era, pois, obviamente, podia ser o que era.
Claus, então, começava a sentir dentro de si uma pulsação de algum outro Claus que ele não reconhecia por inteiro e que lhe dizia precisar gritar, cantar, correr, se esticar, porque, se não, viraria estátua. Algo lhe dizia que todo mundo deveria se esticar, se expandir, caso contrário ficariam todos parados no tempo, repetindo com gírias novas as mesmas velhas palavras. O sentimento só piorava... o que ele sentia era uma repentina e dolorosa compreensão do óbvio.
Voltando para casa, Claus já havia quase chegado ao consenso, entre seus tantos eus, de que, às vezes, uma ilusão é a maior verdade que se tem. Ele estava distraído, mas viu na guarita aquela figura esquálida, distinta não só de qualquer outro porteiro que ali já houvesse visto, como de qualquer outra figura humana. Aquilo era um presságio, sabia que naquela noite lhe surgiria o primeiro dos três fantasmas, aqueles que, de tempos em tempos, vinham lhe trazer a tormenta.
Estava ciente, mas não preparado, quando adentrou por entre as frestas de sua porta e sentou-se no sofá, junto a ele, o Fantasma do Natal Passado e perguntou-lhe a primeira de muitas perguntas que lhe roubariam a razão, ou a devolveriam, se soubesse a todas responder. "Claus, quem é você?".
3 comentários:
Sábado passado, havia deixado o aparelho celular em casa, vi sua mensagem. Hoje. Quase uma semana depois. Porque neguinho (pai e mãe) pegam o meui celular, fuçam e não avisam quem ligou ou mandou SMS.
PODE?
você me traduz agora. adorei.
Esse texto, seu blog em si, me parece daqueles livros incansáveis, poéticos e inseparáveis... volto para ler mais.
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