A Casa de Espelhos ficava em um lugar indefinido, em um plano indeterminado e ninguém sabia ao certo como havia chegado lá, nem qual era o caminho da saída. Se sabia dali que era um lugar só para os loucos, só para os raros, que ali ninguém nascia, de vez em quando alguém lá morria e quase ninguém se entendia.
Clarice tinha na Casa de Espelhos recém-chegado, ainda tava conhecendo o lugar, vendo se ficava ou se ia, como havia chegado, como se saía... Edgar era o coelho branco do lugar, sempre atrasado, correndo pra todo lado, como se soubesse onde ia -- e, pelo visto, até achava que sabia.
Meses inteiros de solidão Clarice teve que enfrentar sozinha, desolada, naquele lugar, o desespero já batia até que lhe surgia a aparente grande ideia de seguir Edgar. De quando em quando Edgar passava por Clarice, às vezes tão apressado na ida que nem a via, mas quando, na volta, Clarice lá estava, parava pra tomar um café, papear um pouco. Pá de lá, pá de cá, Clarice ficou sabendo o que Edgar sempre perseguia: uma luz refletida nos espelhos. Que luz era essa? "Não sei". Porque a perseguia Edgar também não bem sabia, mas uma dia encontrava de onde vinha. "Clarice, essa luz significa alguma coisa.". Clarice, por sua vez, não sabia se era certo acreditar, mas também não tinha uma ideia melhor que explicasse aquele lugar, então foi na onda.
Seguiram juntos o reflexo da luz por muito tempo, corriam pra lá, corriam pra cá... Edgar sempre atrasado, um pouco desajustado, mas nunca desestimulado. Tão lunático era o rapaz e tão observado estava que levou meses pra perceber que, na verdade, ele estava perseguindo a luz sozinho, porque Clarice estava mesmo era seguindo ele. Ele, parou, elucubrou, analisou a situação e decidiu: "a luz que espere, que eu vou atrás agora é de Clarice".
Decisão tomada, tudo já planejado, só faltava mesmo se encontrarem. Quando, decidido, Edgar foi atrás de Clarice e ela já estava lá, esperando sua chegada e eles foram se aproximando até que um tocou o outro foi que eles perceberam: quem Edgar sempre via -- e vice-versa -- não era Clarice, era, em verdade, o reflexo de Clarice refletido nos infinitos espelhos do lugar. Imagine o desespero de Edgar, foi uma correria pra lá, correria pra cá, mas a verdadeira Clarice ele nunca encontrava. Quanto mais se procuravam, mais se perdiam. Muito perspicaz que era, Edgar teve uma ideia e comunicou a Clarice. Seguiriam os dois a luz e o primeiro que chegasse esperaria o outro.
Edgar seguia a luz noite e dia, em uma crença tremenda que um dia a iria alcançar. Clarice seguiu a luz no início, mas a vontade de a luz encontrar não durou muito e ela logo desistiu... Edgar ficou inconformado, gritou, argumentou, ponderou, xingou, mas no fim teve de aceitar, Clarice iria seguir seu próprio caminho.
Nunca mais havia ouvido a voz de Clarice, se perguntava se ela estaria bem naquele lugar tão traiçoeiro... Edgar até deixou de perseguir a luz, simplesmente vagava entre os espelhos não seguindo mais nada, ouvindo apenas o som da própria voz... Sem mais pressa, sem agitação, sem desolação ou desespero, quando se encontrava sereno e conformado, mesmo não a procurando encontrou o que nem mais procurava e quando a viu não conseguiu atribuir a ela nenhum significado, a não ser a de um desejo passado já ultrapassado, que não importava mais, ele viu a luz. A luz era de algo muito maior, inexplicável, mas para que serviria tanta luz do lado de fora se dentro do seu peito a luz que vivia apagada estava sem a presença de Clarice? Edgar apenas viu a luz, não pode ir a seu encontro, só podia pensar, querendo gritar: "Clarice, eu vi a luz!"
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia
3 comentários:
Estudando a lógica dos loucos, me oriento. Arrepia-me a valentia com que nós, chamados loucos, tentamos por fim aos desesperos. Quase padecemos, de tão intensos.
A propósito
A canção: 'Tempo de Pipa', acertou-me em cheio: o coração, o coração, o coração, Ceres.
Clarice, eterna.
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