Pelos olhos de Alice, o mundo era grotescamente sem sentido. Não que do lado de dentro dos seus olhos as ideias não se arrumassem em uma lógica aceitável, do lado de fora deles é que os fatos tinham a mesma coerência da felicidade de quem é feliz pelas conquistas dos outros.
Alice amava Ricardo (que amava Kika, que nem amar amava), até que ele a fez desistir dos homens. Eles eram um casal muito feliz, tão felizes que Ricardo nem conseguiu suportar.
-- Então, Alice, é assim, eu me sinto tão bem ao seu lado que não dá pra deixar de pensar que tem alguma coisa errada... eu paro pra pensar e vejo que você nem é tão boa assim, porque porra eu gosto de você?
-- Cara, cala a boca e deixa de ser babaca, deixa eu só continuar te amando.
Ele não calou nem deixou, mas quem sou eu pra julgar?
Azar de Flávia, que teve que ouvir as divagações de Alice como um padre sem fé e cansado de ouvir pecados mas já muito velho pra abandonar a batina. Flávia era descolada, curtia moda, literatura, cinema, fotografia, até que um dia o vestibular chegou e, fazer o quê, foi fazer medicina, como o pai queria. Da primeira vez que Alice beijou Flávia, não sabia o que sentia, se era nojo, alegria, desapego e até que, no final, venceu a complacência, como já era de se esperar. Felizes até que estavam, mas Alice achava que entre as duas faltava algo, como uma mulher sem razão que sente falta de alguma certeza.
-- Sabe, Flávia, tá tudo certo entre nós, mas acho que não é isso o que eu quero, eu quero algo mais, só não sei o que é...
Ricardo ficou só até começar a praticar o conselho de Alice e deixar de ser um grande babaca -- até a procurou depois, mas Alice não queria alguém que precisasse de seus conselhos, que, se fossem bons mesmo, não os dava de graça. Alice não sei se encontrou o que procurava, mas suspeito que ainda a encontro pra perguntar se ao menos já sabe o que queria. Flávia, coitada, só guardou do sonho filmes velhos de não reveladas fotografias. Doces sonhos... E pra não terminar em tristeza, vale lembrar da Kika, que casou com o Sr. D. Morone e pode ver todos os dias o nascer do sol de frente pro mar, sorte dela que ouvia quando sua mãe dizia: ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez.
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