domingo, 29 de abril de 2012

É preciso conhecer o lado de fora

para se amar o lado de dentro.

Caminhando sozinho de madrugada, debaixo de chuva, inutilmente tentando fumar um cigarro encharcado, Jorge sentia-se realizado em sua infeliz completude. Depois de andar por um terço de hora, esperando o inevitável momento em que um criminoso o abordaria e banalmente transformaria todas suas grandes reflexões existenciais em uma simples nota no obituário no dia seguinte, ele desistiu de esperar, sentou em um banco e tão logo abandonou o plano da realidade, encontrou velhos companheiros, que há muito esperavam sua visita.

O Fantasma do natal passado sentou-se a seu lado e os serviu de um doze anos, enquanto a Solitude, encarnada na glamourosa imagem prostituta da Belle Époque, sentava em seu colo com a delicadeza de um anjo e enlaçava os braços de seu pescoço -- como que para nunca mais soltar --, com a força de um touro. Dessa vez, o fantasma nada o disse, como se nada mais houvesse a se dizer, pois entendiam-se perfeitamente no silêncio. Beberam, lado a lado, como velhos revolucionários, reformados e resignados.

Embora tivessem se encontrado assim muitas outras vezes, os três companheiros, dessa vez era diferente, fora Jorge ao seu encontro. Em outras ocasiões, eles dois foram até Jorge, sempre abatido por alguma grande perda que o derrubara com tanta força que ele não podia erguer-se sozinho; invariavelmente o fantasma o ajudava a rever sua vida até ali, enquanto a Solitude o tentava convencer de que ele estava exatamente onde deveria estar e que não valia a pena levantar para cair de novo. Neste momento único, o fantasma não tinha mais nada o que falar, pois Jorge já compreendia e aceitava todo seu passado, e a Solitude não o precisava agarrá-lo desesperadamente e implorar que não a deixasse, agora ele mesmo a segurava em seus braços, enquanto percebia como era ela tudo que sempre quis e perguntava-se como não pode notá-la antes.

Aquele vazio o fazia completo, só agora Jorge via. Caminhara entre dois mundos, no de dentro gostava de opostos, no de fora expunha seu modo, mostrara-se. Agora não mais, simplesmente encerrava-se em si, expunha-se para dentro e apenas a amava si e só a si. Sentia que ali era o seu lugar, com aquela solitude estava bem acompanhado e naquele vazio estava completo; com a infelicidade não confundia mais sua solitude e não sentia-se impelido a correr atrás de nada, pois, onde quer que quisesse ir, lá já estava, o que quer que procurasse em si próprio encontrava.







Entorpecido pelo whisky espiritual, Jorge lembrou de perguntar a seu companheiro, o Fantasma do natal passado: "Me diga, porque nunca veio até a mim o Fantasma do natal futuro?" --  a resposta o fez retornar às reflexões -- "Isso pode parecer esquisito vindo de mim, mas a verdade é que eu nunca o conheci... acho que ele não passa de uma lenda urbana."

Um comentário:

ranagar disse...

http://midnightwhales.blogspot.com/
Quando puder da uma olhada.